O trabalho remoto – forçado pela pandemia de Covid-19 – foi decretado como o “novo normal” do mundo corporativo após o pico da crise sanitária. A aposta no modelo de trabalho era tamanha, que algumas empresas chegaram a anunciar o fim de seus escritórios.
Com trabalhadores montando seu escritório em casa, preços de itens como notebooks e mesa inflacionaram. Empresas criaram até benefícios para ajudar a custear o que ficou conhecido no Brasil como home office.
Mas o tempo mostra que o movimento perdeu força no mercado de trabalho. Cada vez mais empresas estão retomando o trabalho presencial em seus escritórios, ainda que, segundo especialistas, a flexibilização no modelo de trabalho seja uma tendência irreversível, que está passando por um momento de adaptação.
Nos últimos seis meses, grandes empresas, como Google, Salesforce e Amazon adotaram políticas de retorno ao modelo presencial.
O Zoom, plataforma de reuniões online se destacou durante a pandemia e redefiniu o trabalho remoto, anunciou em julho que os funcionários que moram perto de um escritório “precisam estar no local dois dias por semana” porque é “mais eficaz” para o serviço de videoconferência.
Segundo o LinkedIn Economic Graph, se em fevereiro de 2022, no Brasil, 40% das vagas anunciadas na plataforma mencionavam a possibilidade de trabalhar remotamente, esse percentual caiu a 25% um ano depois.
No mundo, a mesma tendência também é percebida. A proporção de vagas para trabalho remoto no Brasil está à frente de países como Estados Unidos (12,21%), Índia (21,91%), Espanha (16,63%) e Reino Unido (10,62%), de acordo com dados de fevereiro de 2023.
A busca pela melhora na produtividade tem sido o principal argumento das companhias na decisão de retornar ao trabalho no escritório. Um estudo da Universidade de Stanford, publicado em julho de 2023, concluiu que o trabalho remoto pode reduzir a produtividade do trabalho de 10% a 20%, comparado com um trabalhador que está presencialmente 100% do tempo.
Maria Eduarda Silveira, headhunter especializada em Liderança, explica que as empresas estão lutando para manter os níveis de rendimento em um momento econômico que se apresenta muito desafiador.
“Quando vivemos em um cenário desafiador, é natural que algumas empresas pensem que trazer seus funcionários para dentro do escritório é uma medida que vai trazer o equilibro de forma mais rápida”, avalia.
Uma questão importante de compreender, segundo Maria Eduarda, é se a volta do presencial acontece por uma falsa sensação de controle que as companhias querem ter, ou porque o presencial realmente faz mais sentido para a estratégia de negócio.
A especialista pontua que a gestão de desempenho ainda não é uma política bem estruturada dentro das empresas no país, e que precisa ser melhor elaborada pelas lideranças, seja no modelo presencial ou no remoto, mas existe uma dificuldade maior de liderar no modelo home office.
“Podemos ser mais criativos e buscar resolver problemas novos com soluções que ainda não existem. Estamos aprendendo a fazer isso”, avalia a especialista.
Revisão do sistema
Cristina Goldschmidt, professora da FGV e especialista em Liderança e Gestão, sugere que as pesquisas sobre produtividade e modelo de trabalho precisam ser avaliadas quantitativamente a cada caso, e não qualitativamente.
“Precisamos medir o impacto de cada modelo considerando o valor agregado de cada um no resultado produtivo. É importante entender os benefícios que o modelo remoto traz em cada tipo de trabalho.”
A professora avalia que existe uma mão de obra mais operacional que precisa de supervisão constante, e o trabalho remoto pode comprometer a produtividade desses trabalhos. O mesmo funciona com a nova geração de trabalhadores, que no modelo presencial podem ser capacitados mais rapidamente.
Segundo o estudo de Stanford, os desafios de comunicação, a dificuldade de atuar em níveis mais criativos e a queda na produtividade são os principais desafios de um trabalho 100% remoto. Por outro lado, esse modelo também reduz os custos para as empresas, como o aluguel do espaço físico.
O trabalho híbrido, por sua vez, pode ter leves efeitos positivos na produtividade, conforme conclui a pesquisa da universidade americana.
Isso porque esse formato poupa cerca de duas ou três horas por semana devido a menos deslocamentos, e também deixa os funcionários mais produtivos nos seus dias em casa devido a menos distrações e a condições de trabalho mais tranquilas.
Erica Siu, CEO da Caliandra Saúde Mental, ressalta que ambos os modelos, presencial e remoto, têm benefícios e desafios, mas que independentemente da empresa ou modelo, é fundamental que exista um olhar para a saúde mental.
“Precisamos construir ambientes de trabalho para as pessoas terem segurança psicológica, e às vezes a rotina diária dificulta estar presencial todos os dias. Lembrando que trabalho exige uma disciplina e concentração”, pontua.
A especialista destaca a importância de a empresa comunicar sobre as eventuais mudanças de modelo de trabalho, e priorizar a saúde dos trabalhadores, pensando nessas transições com cuidado.
Cristina Goldschmidt afirma que será necessário refletir sobre os efeitos dessa decisão pouco pensada por parte das empresas de forçar um retorno presencial. “Depois que percebemos os efeitos dessas decisões extremas, podemos ver as empresas voltando atrás”, avaliou Cristina.
Maria Eduarda Silveira concorda que refletir sobre isso precisa estar na agenda da gestão das empresas. Empresas que forem 100% regidas no presencial tendem a sofrer mais em relação a contratação e retenção de talentos, explica a especialista.
“Não tem uma receita de bolo, o futuro do trabalho está sendo construído”, pontua.
Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/velho-normal-por-que-empresas-estao-voltando-ao-modelo-presencial-de-trabalho/