Poppy Jenkinson tem 23 anos de idade. Todas as noites, ela se senta à mesa de jantar com seus dois colegas de casa para comentar como foi o seu dia — contar notícias do trabalho, dramas das amigas e, às vezes, problemas de relacionamento.
Muitas vezes, seus colegas oferecem um ponto de vista diferente. “Eles estão na casa dos 70 anos e são casados há quase 40”, ela conta. “Elas sempre compartilham gotas de sabedoria.”
Depois de se formar no ano passado, na Unidade de Falmouth — uma pequena e criativa universidade na Cornualha, no sudoeste da Inglaterra —, Jenkinson teve dificuldade para encontrar uma casa no competitivo mercado imobiliário de Falmouth. Até que, por meio da universidade, ela conheceu Pete e Lee King, com 70 anos de idade, e mudou-se para o seu chalé de três quartos nos limites da cidade.
É um acordo particular entre eles, mas que reflete uma tendência maior de moradia multigeracional: estudantes e cidadãos idosos vivendo juntos.
Nos últimos anos, projetos incentivando gerações diferentes a dividir residência surgiram em todo o mundo, incluindo em universidades, como no Canadá, na Califórnia (EUA) e na Holanda.
Mas nem todas as experiências de moradia multigeracional têm finais felizqes, como a de Jenkinson. As pesquisas demonstram que a realidade pode ser mais complicada.
Teoricamente, a moradia multigeracional é uma solução inteligente para dois importantes problemas modernos: a falta de moradia acessível para os jovens e o aumento da solidão entre as pessoas mais idosas.
“A epidemia da solidão é uma tendência global, especialmente em países onde a população está envelhecendo”, afirma a professora Patricia Collins, do Departamento de Geografia e Planejamento da Universidade Queen’s, no Canadá.
Estudos indicam que a solidão grave pode gerar depressão e pensamentos suicidas, redução da saúde cardíaca ou cardiovascular e até aumento do risco de morte prematura. “Isso foi recentemente exacerbado [pela pandemia de covid-19] e pelos lockdowns”, acrescenta Collins.
Por outro lado, uma enorme quantidade de pesquisas realizadas em todo o mundo destaca as dificuldades cada vez maiores enfrentadas pelos jovens para encontrar moradia a preços que eles possam pagar.
Nos Estados Unidos, o aluguel médio aumentou em 18% nos últimos cinco anos – ultrapassando a inflação. Esta situação é similar em outros países. E, como os adultos mais jovens têm mais possibilidade de alugar e não de comprar uma casa, eles são especialmente vulneráveis a esses aumentos dos aluguéis.
As pesquisas também indicam o enorme impacto da falta de moradia e da sua má qualidade sobre a vida dos jovens, incluindo as consequências sobre a sua saúde.
Collins queria entender melhor se as moradias multigeracionais realmente estavam reduzindo a falta de acomodações e os problemas sociais. Para isso, ela mapeou a demanda por acordos de coabitação em Kingston (Ontário, no Canadá), pesquisando o interesse dos estudantes de graduação em dividir residência com um cidadão idoso.
No Canadá, os adultos com 65 anos de idade ou mais são a faixa etária que apresenta crescimento mais rápido. As projeções indicam que eles devem atingir 23% da população até 2030. E muitos idosos canadenses estão morando sozinhos.
Com suas vistas à beira-mar e muitas áreas verdes, Kingston é a segunda cidade mais popular do Canadá entre os aposentados, segundo Collins. Mas a cidade também abriga diversas instituições de nível secundário e os estudantes concorrem pelos aluguéis em um mercado imobiliário saturado.
“Historicamente, [Kingston] oferece aos estudantes condições de moradia muito abaixo dos padrões”, segundo ela. “Agora, estamos vendo este problema agregado ao aumento dos valores dos aluguéis.”
À primeira vista, os estudantes que ela pesquisou pareciam gostar da ideia de gerações diferentes compartilhando residências. Dos 3.800 estudantes de graduação pesquisados, mais da metade respondeu que a universidade deveria apoiar este tipo de moradia.
Mas, quando questionados se eles próprios gostariam de viver desta forma, os resultados foram muito diferentes. Apenas 13% dos estudantes pesquisados ficaram “muito” ou “extremamente” interessados em morar com idosos. As reservas apresentadas pelos jovens incluíram sensação de constrangimento, impossibilidade de receber convidados e falta geral de privacidade.
Aparentemente, muitos gostaram da ideia na teoria, mas não consideraram uma opção viável para eles próprios.
Collins destaca que, “como sociedade, não estamos tão acostumados a interagir com pessoas de outras gerações, a menos que eles façam parte da nossa família imediata.”
Uma exceção são os jovens que trabalham voluntariamente com idosos. Os dados indicam que estas pessoas podem estar mais abertas a também morar com eles.
Entre os estudantes atraídos pela ideia de coabitação, 56% tinham experiência de trabalho com idosos e 60% tinham experiência de voluntariado com pessoas de mais idade. Mas os acordos que fazem do voluntariado parte do pacote também podem enfrentar dificuldades.
O projeto holandês de coabitação Humanitas Deventer costuma ser mencionado como o principal exemplo de harmonia entre as gerações. Ele fez com que muitos estudantes passassem a integrar casas de repouso.
Em vez de pagar aluguel, os estudantes passam 30 horas por mês interagindo com os moradores idosos e ensinando a eles conhecimentos como o uso de e-mail ou redes sociais.
Mas acrescentar um contrato social a uma dinâmica de coabitação pode ocasionar certos problemas, segundo Gemma Burgess, diretora do Centro de Pesquisa sobre Planejamento e Moradia da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
Burgess avaliou um programa de coabitação recíproca em Cambridge, chamado LinkAges. O primeiro grupo de estudantes de pós-graduação participou do programa em 2017. Um estudante ou profissional que estivesse procurando aluguel mais barato era designado a uma pessoa idosa que precisasse de assistência.
A expectativa era que os estudantes oferecessem “leve envolvimento”, como ajudar os moradores a fazer compras, cuidar da casa ou simplesmente fazer um pouco de companhia.
O projeto trouxe lições importantes, segundo Burgess. Uma delas foi que apoiar outra pessoa teoricamente parece simples, mas pode exigir mais tempo e esforço que o esperado pelos estudantes.
Em épocas atarefadas e estressantes, como períodos de provas ou de redação de monografias, pode ser difícil para os estudantes incluir as necessidades de outra pessoa no seu cronograma de estudos.
“Foi preciso ter muita intervenção para ajudar nos relacionamentos”, ela conta.
Burgess destaca que as residências multigeracionais podem ser complexas.
“É um pouco idealizado dizer: ‘você irá representar o papel de um avô engraçado e uma pessoa mais jovem fará o papel de um neto coruja’. As pessoas são muito mais complicadas do que isso.”
Uma forma de aprender com os erros do passado é incorporar a moradia intergeracional ao conjunto da universidade, mas acrescentando um pouco mais de distância. Os idosos e os estudantes podem não morar na mesma residência, mas permanecem os princípios de compartilhamento de conhecimentos e interação social.
Segundo estimativas, 100 faculdades norte-americanas desenvolveram, nos últimos anos, comunidades de aposentados no campus ou em locais próximos, incluindo instalações como campos de golfe, casas noturnas e unidades de moradia assistida. São tipicamente ex-alunos da faculdade que hoje são aposentados e se inscrevem para serem vizinhos dos seus colegas dos dias atuais.
Na Universidade do Estado do Arizona, por exemplo, foi aberta uma casa de aposentados em 2020, quase ao lado dos dormitórios dos estudantes. Os moradores podem ter acesso às aulas, à biblioteca e aos eventos esportivos.
Voltar a um ambiente estimulante de aprendizado pode trazer uma série de benefícios. Pesquisas indicam que os adultos mais idosos que fazem cursos na faculdade podem aumentar sua capacidade cognitiva e possivelmente reduzir o risco de desenvolver Alzheimer ou outras formas de demência.
Em Falmouth, a universidade está colaborando com um projeto de moradia de 170 milhões de libras (US$ 204 milhões, ou cerca de R$ 1 bilhão), conhecido como incorporação Pydar Street. O projeto pretende integrar espaços estudantis à comunidade como um todo.
O chefe de incorporações imobiliárias da Universidade de Falmouth, Peter Howells, afirma que a construção ainda está em estágio de planejamento, mas será um mosaico de 300 casas e 160 apartamentos e dormitórios estudantis.
“O local irá incorporar moradia mista, aprendizado acadêmico, espaços para inovação, venda de alimentos e bebidas e espaços abertos para que [as pessoas] se encontrem, aprendem e conversem”, explica ele.
O escritório de arquitetura britânico PRP, especializado em moradia multigeracional, é um dos elaboradores do projeto.
Para a arquiteta-chefe do projeto Pydar Street, Manisha Patel, uma forma de incentivar a interação é simplesmente distribuir os apartamentos levando a idade em consideração, com moradores mais idosos no térreo e os estudantes nos andares superiores.
“Gerações diferentes estariam em apartamentos conectados, mas não realmente morando juntas”, ela conta.
Uma área comum no centro da construção irá incentivar a formação de relacionamentos. “A moradia multigeracional deve incentivar o intercâmbio de pensamentos – gerações de lados diferentes do espectro têm muito conhecimento a oferecer”, afirma Patel.
Para Pete King, dono da casa onde Jenkinson mora, viver em uma casa multigeracional com estudantes trouxe “enormes recompensas”.
King é capelão do centro ecumênico da Universidade de Falmouth. No chalé onde ele mora com sua esposa Lee, diversos estudantes ocuparam o espaço vazio ao longo dos anos. Os dois lados contam que tiveram benefícios práticos e emocionais.
Para Jenkinson, a “atmosfera familiar” foi a melhor parte da experiência. O trio se revezava na cozinha, embora ela sempre ficasse nervosa quando chegava a sua vez de preparar o jantar.
“Os Kings são ótimos cozinheiros, eles sempre fazem tortas ou risotos, enquanto eu faço principalmente comida de estudante, como macarrão ou pizza”, ela conta.
Jenkinson pagava menos que o aluguel de mercado, enquanto outros estudantes pagam parte do aluguel em serviços, assumindo tarefas como cuidar do jardim.
Os Kings contam que gostaram de aprender sobre as novas tecnologias e a vida estudantil. “Você recebe uma energia indescritível quando está com os jovens”, afirma Pete.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) na seção Family Tree do site BBC Future.
Fonte: https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/saude/os-estudantes-que-dividem-casa-com-aposentados,54581d03029a9824ab698d5191e6ecbal7wxfim4.html