Natal e outras 27 cidades do Rio Grande do Norte vivem o caos desde a madrugada de terça-feira (14), com uma onda de ataques do crime organizado turbinada pelo desespero espalhado pelas redes sociais. Foram ônibus queimados, prédios públicos depredados, tiroteios, estabelecimentos saqueados, veículos do serviço público destruídos. Os ataques são atribuídos a integrantes de facções criminosas. Aulas foram canceladas e o serviço de transporte público foi interrompido duas vezes.
O terror mudou completamente a rotina da capital e de outros municípios do interior. À luz do dia, criminosos atearam fogo em dois ônibus na zona leste de Natal, o que motivou a retirada do serviço das ruas. Sem transporte público e com as tarifas do transporte por aplicativo nas alturas, houve quem decidisse voltar para casa a pé.
Na tarde de terça-feira, a empregada doméstica Jackeline de Lima, 45, voltou para casa caminhando. Ela diz que “nem sabe ao certo” por quanto tempo ficou andando, mas percorreu mais de 20 quilômetros, da casa da patroa em Candelária, bairro da zona sul de Natal, até Igapó, na região norte, já na divisa com São Gonçalo do Amarante. “Foi inesperado, pegou todo mundo de surpresa. Tentei pegar o ônibus, mas não deu.”
Jackeline ainda tentou pegar um carro via aplicativo, mas a tarifa de R$ 120, bem superior aos R$ 3,90 que paga na passagem de ônibus, fugiu do orçamento. “É uma situação revoltante porque quem paga o pato é o pobre, como sempre. Não basta a sensação de insegurança”, relata a doméstica, que conseguiu ir para o trabalho na quarta-feira (15), numa janela de horário em que os coletivos circularam: a frota foi recolhida novamente por volta das 11h30 devido a um novo ataque a ônibus, no Planalto, zona oeste da capital. O veículo foi totalmente destruído pelas chamas logo após iniciar a operação.
Medo pelo zap
Os ataques são acompanhados de perto pela população, que se apega ao celular para saber o que está acontecendo na cidade. A administradora Shirley Cristiane, 36, trabalha no Centro Administrativo do Governo do Estado e diz que se assustou com o volume de mensagens circulando. “Do dia para a noite, a cidade virou um caos. Todo mundo comentando, com medo, apreensivo, sem saber o que fazer. A gente se sente muito insegura.”
A servidora pública conta que ficou sabendo da onda de ataques violentos pelas redes sociais. “Vi nos grupos que muita gente estava compartilhando fotos e vídeos, muitas vezes falsas, mas pela quantidade de informação a gente desconfia que algo está acontecendo. Logo vi nos portais a situação e consegui me organizar para sair do trabalho e ir para casa antes que os ônibus parassem. Foi um desespero, ônibus abarrotados, gente com medo de arrastão, falando com familiares preocupados.”
As redes sociais amplificaram o medo e aceleraram a mudança na dinâmica da cidade, avalia o sociólogo e especialista em segurança pública Francisco Augusto Cruz. “É importante salientar que nesse contexto também circulam informações não checadas, o que de certa forma cria uma sensação de pânico generalizado”, afirma.
Não é a primeira vez que esse tipo de evento ocorre na capital. Outubro de 2022 também registrou um pico de mortes violentas, assaltos, arrastões e ataques a ônibus, o que deixou a população apreensiva à época.
Balanço da polícia
O último balanço de ações divulgado pela Polícia Militar apontou 30 suspeitos presos — incluindo um adolescente —, três foragidos da Justiça recapturados, um tornozelado preso com arma de fogo e um tornozelado preso com um galão de gasolina.
A PM apreendeu ainda sete armas de fogo, um simulacro de arma de fogo, 30 artefatos explosivos, oito galões de gasolina, cinco motos e dois carros, além de dinheiro, drogas e munições. As ocorrências foram registradas em 28 cidades.
Sem segurança nas ruas, as escolas privadas de Natal suspenderam as aulas nesta quarta-feira (15), medida que também foi adotada em faculdades públicas e privadas. Até mesmo a coleta de lixo domiciliar foi suspensa em cidades da Região Metropolitana. Em Natal, o cenário é de ruas vazias e comércio parcialmente fechado. No Alecrim, principal centro comercial da capital, os empresários que resolveram abrir as portas reclamam do baixo movimento.
“O pessoal realmente fica com muito medo de sair de casa, só sai quem realmente precisa sair. É muito triste porque hoje é o Dia do Consumidor e acontece uma coisa dessas. A sensação é horrível, de insegurança total, sem saber como voltar para casa”, diz o vendedor de roupas Marcos Antônio, 41.
Fonte: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2023/03/16/com-terror-nas-ruas-e-nas-redes-moradores-de-natal-voltam-para-casa-a-pe.htm