O que pode ser mais impressionante, para um clube como o Corinthians, do que sofrer um gol para o time reserva do Argentinos Juniors, logo no início de um jogo, após uma sucessão de falhas defensivas? A entrevista dada por Cássio após a derrota por 1 a 0, no duelo válido pela fase de grupos da Copa Sul-Americana, é a resposta desta charada.
“Não é questão de faltar confiança. Eu tomei um gol que era defensável, depois fiz um monte de defesas. Tudo bem, eu entendo. Quando começou o ano, sabia que seria assim, a conta iria sempre sobrar para mim. Se eu tomo gol de pênalti hoje, a falha é minha. Estou indo até em psicólogo, psiquiatra, está f… Difícil, difícil, tenho apanhado que nem um cachorro”, disse ao microfone do SBT.
Cássio também disse outras coisas, mas o corte acima foi o que mais repercutiu. Uma entrevista forte, sem dúvidas, mas também um desabafo e um pedido de socorro, acima de tudo. Uma despedida? A certeza é que a situação ganhou contornos absolutos de capítulo final de uma grande história. Vale lembrar que o arqueiro, que em 2024 completa 37 anos, tem contrato apenas até dezembro.
Maldição do Batman
Cássio estreou pelo Corinthians em 2012, e logo de cara virou titular durante a histórica campanha do título de Libertadores e, depois, Mundial de Clubes. As defesas realizadas naqueles jogos, em especial na decisão contra o Chelsea, lhe garantiram um lugar eterno como ídolo corintiano. Mas o camisa 12 seguiu acumulando feitos, troféus e atuações impressionantes. Virou o herói de uma geração, paredão em cobranças de pênaltis, um dos maiores do clube em todos os tempos.
Mas enquanto estiver profissionalmente em campo, também estará sujeito a críticas. “Ou você morre como um herói, ou vive o bastante para se tornar um vilão”. A frase, que ficou famosa na história do cinema, é do filme Batman: o Cavaleiro das Trevas. Ou Cássio deixa o Corinthians, para começar a receber todas as homenagens pelos seus feitos, ou segue sob as traves alvinegras até invariavelmente ser tão criticado como agora.
Vítima do caos e desorganização
Alerta de Spoiler! No aclamado filme de 2008, a frase é dita por Harvey Dent, promotor público que entrega tudo de si para defender Gotham até que o próprio caos da cidade fictícia o transforma, através de alguns traumas, no vilão conhecido como “Duas Caras”. No final das contas, sobra até para o próprio Batman, que termina o longa sendo considerado também como vilão apesar de todo o seu empenho para ajudar.
Cássio não é Batman, muito menos Duas Caras. Mas ao longo dos últimos anos seguiu entregando tudo de si enquanto via, administração ruim após administração pior ainda, o Corinthians perder sua força para entrar em uma espiral de caos. Em 2023, o Timão lutou contra o rebaixamento no Campeonato Brasileiro e o temor é que a mesma coisa aconteça agora em 2024. E Cássio passou a conviver com um peso enorme das críticas, que tem claramente afetado o seu estado psicológico.
Falha geral, erros compartilhados
Cássio tem falhado, isso está evidente. O primeiro gol sofrido na derrota por 2 a 0 contra o Juventude, pelo Brasileirão, era defensável; o segundo, foi uma falha gritante na saída de bola. O tento do Argentinos Juniors também era defensável. O goleiro corintiano falhou.
Fosse anos atrás, o ídolo teria defendido. Mas antes de ficar cara-a-cara com Gastón Verón, Cássio viu Félix Torres falhar de forma infantil ao tentar cortar o passe de Emiliano Viveros, enquanto Raniele só olhava a jogada. É muito fácil culpar apenas o goleiro, mas o problema defensivo tem que ser mais compartilhado. Isso sem falar em gols desperdiçados no ataque.
Ceni, Marcos… e Fábio
No mais, é impossível não comparar esta reta final da história de Cássio no Corinthians com os roteiros de Rogério Ceni e Marcos, respectivamente grandes ícones sob as traves dos rivais São Paulo e Palmeiras. Quando completou 37 anos, Ceni ainda protagonizava feitos importantes em um São Paulo que, se não era mais tão dominante, não parecia estar tão destinado a lutar na parte de baixo da tabela.
A similaridade maior segue sendo com Marcos, outro camisa 12 catapultado a grande idolatria após virar titular durante campanha de título de Libertadores. O ídolo palmeirense vinha de temporadas bastante criticáveis e abaixo de seu melhor quando, aos 37 anos, anunciava que não seguiria mais no Palmeiras – naquele caso, por motivo de aposentadoria. Ah, e Marcos também protagonizou desabafos marcantes em algumas entrevistas pós-jogo.
Mas ainda há o exemplo recente de Fábio, que, já na casa dos 40 anos, deixou o Cruzeiro pela porta dos fundos, apesar de toda sua história no clube, e segue a mostrar que é um atleta de primeiríssimo nível. Suas defesas impressionantes ajudaram, por exemplo, o Fluminense a ser campeão da Libertadores em 2023.
O capítulo final no Corinthians
É um caso único, o de Fábio? O torcedor alvinegro torce para que sim: imagine só ver Cássio deixando o Corinthians para brilhar em outro time brasileiro, mostrando que a maior parte de suas falhas eram mais por causa de toda uma cadeia de incompetência (seja do clube como instituição ou do time no gramado)? Você duvida que seja algo possível de acontecer?
De qualquer forma, os últimos capítulos de Cássio no Corinthians já estão sendo escritos. Resta saber como será o final desta história.
Fonte: https://www.goal.com/br/listas/hora-de-sair-cassio-vive-maldicao-do-batman-no-corinthians/blte0b62511dd6a5de5#csf09182a484ecacf7
Foto: Rodrigo Coca/Agência Corinthians