Se você jamais falou (o que duvido), então ouviu alguém falar de remédio para emagrecer. Quem nunca? Mas nesta semana, em um artigo publicado na Archives of Endocrinology and Metabolism, um grupo de endocrinologistas propõe que a gente risque de uma vez por todas esse termo — “remédio para emagrecer” — do vocabulário.
Esses especialistas torcem para que, com o tempo, o ele soe tão incorreto quanto tantas outras palavras que nem ouso escrever aqui, porque aprendemos que elas reforçam o estigma contra uma pessoa ou um perfil de seres humanos.
Eles querem que, no lugar de “remédio para emagrecer”, todo mundo prefira “medicamento antiobesidade” ou, ainda, em “medicamento para tratar a obesidade“. Faz diferença, garantem. E esperam que essa substituição cole na ponta da nossa língua e que, amanhã ou depois, saia da nossa boca com a maior naturalidade.
Isso seria fundamental para aumentar a adesão ao tratamento de 41 milhões de brasileiros, o número de casos de obesidade estimado pelo Ministério da Saúde. A troca também reduziria o preconceito em relação aos próprios fármacos que podem — e que, muitas vezes, devem — ser prescritos.
Esse preconceito é tão forte que eu mesma mal consegui disfarçá-lo ao manifestar uma dúvida: poxa, mas será que todas as pessoas com obesidade irão mesmo precisar de medicamentos? “Não todas, mas quase todas”, ouvi do endocrinologista Marcio Mancini.
Chefe da Unidade de Obesidade do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e coordenador de um tratado sobre essa doença que se tornou a principal obra de referência sobre o tema nas escolas médicas do país, Mancini é um dos autores da proposta de mudança na linguagem.
“Os estudos mostram que a chance de alguém perder peso só com mudança de estilo de vida é de, mais ou menos, 5%. Ou seja, de cada 20 pessoas, uma tem sucesso e mantém essa perda de peso a longo prazo”, complementa, justificando a sua resposta.
Vamos prestar atenção ao detalhe: a longo prazo. A proporção de indivíduos com sobrepeso e obesidade que veem o ponteiro da balança descer só comendo direito e fazendo ginástica é, sem dúvida, maior do que essa. Mas, quando o corpo elimina gordura, surgem forças internas clamando para ele recuperá-la. “No caso, são hormônios que regulam o apetite, que ficam desequilibrados”, explica Mancini.
O médico lembra que as medicações não dispensam a dieta saudável, nem a atividade física. Ora, ninguém emagrece — oops… —, ninguém perde peso só por que elas foram prescritas. E as razões para chamá-las de um outro jeito serão apresentadas em uma das aulas do CEBAEM 2023, o Congresso Brasileiro de Atualização em Endocrinologia e Metabologia, que começou ontem, dia 6, em João Pessoa, na Paraíba. São, pelo menos, quatro. E todas muito boas.
1. Obesidade é, sim, uma doença
“Quando alguém diz ‘medicamento para obesidade’, fica mais claro para quem escuta que ele está se referindo ao tratamento de uma doença, enquanto o ‘remédio para emagrecer’ costuma remeter ao desejo social de ser magro”, aponta o endocrinologista Bruno Halpern, presidente da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica), que é outro autor da proposta e quem dará a aula no CBAEM 2023.
A cutucada, Halpern concorda, vale para seus colegas médicos, que muitas vezes não deixam tão claro que o objetivo da prescrição não é um “projeto verão”, como entrar no vestido de festa ou exibir um abdômen trincado, e, sim, controlar uma doença que diminui dramaticamente a expectativa de vida.
“Um indivíduo que apresenta obesidade desde a infância, quando ela se perpetua na vida adulta, pode ter uma redução de 8 a 12 anos de vida”, conta Marcio Mancini. “Por isso, o tratamento precisa ser visto com seriedade”, ele pensa.
Um medicamento antiobesidade talvez até faça os seus usuários entrarem no verão com mais autoestima. Mas, perto das estações de vida que ele pode proporcionar aos pacientes dessa doença crônica que causa outras doenças — infarto, diabetes, câncer e uma longa lista de males —, isso acaba sendo o de menos.
2. O tratamento é para toda a vida
De acordo com a literatura científica, ao ouvir que está recebendo a prescrição de um “medicamento para obesidade”, o indivíduo internaliza com maior facilidade que ele tem uma condição crônica e que, portanto, a medicação é para sempre. “Não seria diferente se ele fosse hipertenso: deixando de tomar o remédio para baixar a pressão, ela voltaria a subir”, compara Marcio Mancini.
Já o termo ‘remédio para emagrecer’ não causa a mesma impressão aos ouvidos. “Ele soa a algo que serve apenas para resolver um sintoma e que poderá ser largado assim que esse sintoma sumir”, diferencia Burno Halpern.
Isso contribui, inclusive, para a falta de confiança no tratamento. Em outro artigo, este publicado faz tempo, em 2015, já tinha sido acusado que o reganho de peso após a interrupção de um medicamento antiobesidade era uma das principais razões pelas quais as pessoas nem sequer procuravam se tratar. O medo da frustração pesava mais.
3. Não confundir com “fórmulas milagrosas”. E perigosas
“Ao usarmos as expressões ‘medicamento para tratar a obesidade’ ou ‘medicamento antiobesidade’, também evitamos uma confusão nociva entre drogas seguras, que passaram por anos de estudos, e fórmulas que são comercializadas focando apenas ganhos estéticos”, acredita Halpern. “Estas, além de frequentemente não cumprirem as promessas estampadas nas embalagens e divulgadas nas redes sociais, podem ser muito arriscadas para a saúde.”
O professor Mancini ressalta que a má prática de indicá-las não é exclusiva do Brasil: “Infelizmente, acontece no mundo inteiro. Existem profissionais que usam a obesidade como um comércio. E essa é uma área que, diferentemente de outras da Medicina, todo mundo acha que entende e se vende como especialista, fazendo propaganda de coisas para emagrecer”, critica.
4. Respeitar quem tem obesidade
Este, aliás, é o ponto número 1 em importância. Quando alguém menciona “remédios para emagrecer”, pode reforçar a percepção de que a pessoa com obesidade não tem nada, que ela só acumulou gordura porque não cuidou da alimentação e ficou largada no sofá. Que não dá atenção à sua imagem. Que lhe falta força de vontade, a ponto de precisar de ajuda — e não de um tratamento — para emagrecer.
“Há um senso comum: o de que é fácil perder peso. Bastaria fechar a boca e fazer atividade física, é o que pensa quase todo mundo. Só que não é bem assim”, diz Marcio Mancini. “Costumo lembrar que a maioria dos magros come mal e é sedentária. Os magros não são modelo de vida saudável. Eles são protegidos geneticamente do ganho de peso, isso sim, da mesma forma que os genes da pessoa com obesidade fazem com que ela tenha propensão a acumular gordura, vivendo no mesmo ambiente e fazendo as mesmas coisas.”
Mas fica complicado lembrar que elas estão acima do peso por causa de uma doença com fundo genético se, afinal, o nome dessa patologia não aparece com todas as letras nas menções ao seu tratamento, seja nas conversas entre familiares e amigos, na mídia ou nos consultórios.
Já imagino: tem gente que irá reclamar, achando que o mundo está muito chato ao pedir que todos se expressem de um jeito correto. Mas chatice maior é precisar explicar de novo e de novo que qualquer expressão estigmatizante é pontiaguda. Fere. E pode ser mais feia do que um palavrão.
Fonte: https://www.uol.com.br/vivabem/colunas/lucia-helena/2023/09/07/4-bons-motivos-para-voce-nunca-mais-falar-em-remedios-para-emagrecer.htm